Na última semana assisti a uma palestra dinâmica cujo assunto principal era o - superestimado - setembro amarelo. Ao longo daquele bate-papo, alguém na plateia trouxe a seguinte reflexão: não foge do comum afirmarmos que somos capazes de morrer por aquele que amamos, mas será que seríamos capazes de fazer algo mais complexo que isso? Seríamos capazes de viver por eles também? Essa fala me intrigou. De fato é muito fácil morrer, difícil é viver.
Então, questiono, será que seríamos capazes de cuidar da nossa própria saúde física, psicológica e espiritual na mera tentativa de prolongar nossa vida, criando, assim, tempo de qualidade com quem amamos? Mais enigmático ainda: seríamos, nós, capazes de vivermos por nós mesmos? É uma opção que requer tremendo sacríficio...
A vida real não cabe em nosso roteiro ideal. Nós cometemos suicídio dia após dia de maneira sutil enquanto esperamos por dias melhores, mas custa lembrar que a nossa existência é o espetáculo do improviso. Os dias melhores não chegarão espontaneamente. Os dias melhores são uma tela em branco que metamorfoseamos com o que temos em mãos em tempo real.
Concordemos: a vida real é bem menos fotogênica do que as redes sociais fazem parecer. Do lado de fora, onde as câmeras não alcançam, os filtros não corrigem e a trilha sonora não ameniza os ruídos. Estamos todos tentando não desequilibrar na linha tênue entre o que sonhamos e o que conseguimos realizar. Acordamos, tomamos café, respondemos mensagens e desejamos “bom dia” para o vizinho como se estivéssemos no controle da exaustiva rotina, mas no fundo sabemos que, na maior parte do tempo, estamos apenas fingindo uma competência emocional que não nos foi adquirida.
E como tê-la? Todos nós temos uma cota de problemas, mas o que me chama a atenção é a nossa competência em insistir chamar de "rotina" o que, na realidade, são pequenos naufrágios diários: o boleto que vence antes do salário, as horas perdidas no trânsito - por dia - que não serão repostas, a irritante fila do supermercado, o cansaço que não se desfaz nem mesmo com oito horas de sono, uma expectativa que a realidade não entrega. Vivemos remendando esses furos, na esperança de que, algum dia, a nossa vida se pareça mais com aquele filme americano que assistimos num domingo à tarde romantizado em um final feliz. Almejamos isso quando, na vida real, certas vezes, o final nem é deslumbrante e, por vezes, nem sequer há um final, mas sim uma continuidade meio desgastada que se arrasta enquanto o relógio avança.
Vivemos nos matando de ansiedade por um futuro melhor enquanto adiamos os pequenos prazeres do presente como tomar um café da manhã com calma, sem rolar o feed de notícias. Ou aproveitar o silêncio, sem a pressa de preencher cada segundo com alguma tarefa. Ou até mesmo quando damos voz à necessidade de dar conta de dois ou mais deveres simultaneamente. Nos custa entender que a vida não é uma sucessão de conquistas, mas um mosaico de acertos e erros. É autodestrutiva a fadiga de viver em uma realidade cujo "todo dia" parece uma repetição mal ensaiada do dia anterior.
O segredo, então, talvez esteja admitir que nem todos os dias serão épicos e que, certas vezes, o ato mais revolucionário que podemos fazer é viver o ordinário como se fosse o extraordinário, porque, no final das contas, a alegria - se é que existe - mora nas entrelinhas dos dias comuns e na singela presença de quem realmente importa. E aí, você seria capaz de se permitir viver por você e pelos seus?
Até o próximo texto!
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